O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), tenente-coronel Mauro Cid, pode perder os benefícios do acordo de delação premiada e ser preso novamente, dessa vez, por obstrução de justiça, segundo advogados ouvidos pela CNN.
Cid vai prestar depoimento na quinta-feira (21), no Supremo Tribunal Federal (STF), para esclarecer contradições entre o acordo de colaboração premiada e as investigações realizadas pela Polícia Federal (PF), a respeito de uma trama golpista.
O próprio ministro Alexandre de Moraes, relator das investigações na Corte, vai presidir a audiência. O magistrado também já pediu parecer ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, a respeito das supostas omissões.
Ainda sob a gestão de Augusto Aras, a PGR foi contra a homologação da delação de Cid, por entender que a PF não tinha legitimidade para firmar esse tipo de acordo sem anuência do Ministério Público. Contudo, a jurisprudência do próprio STF prevê essa possibilidade.
Envolvimento com plano golpista
Em depoimento realizado na terça-feira (19), Cid negou que tivesse conhecimento sobre o plano que tinha a pretensão de matar o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
No entanto, mensagens de texto do ex-ajudante de ordens, inseridas em relatório da PF, mostram Cid falando do plano. Em uma das mensagens, o militar afirma que Bolsonaro estaria sendo pressionado por deputados e parte do agronegócio para “tomar uma medida mais pesada utilizando as Forças [Armadas]”.
Em outra conversa, Cid questiona o major Rafael de Oliveira, um dos presos na operação da PF, sobre a “estimativa de gastos” do plano.
Por conta do relatório que indicava supostas omissões por parte de Cid, Alexandre de Moraes intimou o tenente-coronel a depor novamente esta semana.
O que está em jogo?
Segundo o advogado e professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP), Pierpaolo Bottini, caso seja confirmado que Cid mentiu ou omitiu uma informação deliberadamente, o acordo de delação pode ser rescindido.
Na prática, a rescisão difere da anulação do acordo.
Com a anulação, nenhum efeito da colaboração seria válido. No caso, a rescisão permite com que os efeitos, como as provas produzidas e as decisões tomadas com base no acordo, continuem valendo.
Bottini afirmou que todo o depoimento de Cid segue válido. No entanto, o tenente-coronel pode perder os benefícios na proporção do que ele causou.
Na avaliação do advogado, Cid não pode voltar a ser preso pelo mesmo motivo que resultou na prisão dele em 2023. Na ocasião, o militar foi preso em operação que investigava os dados falsos do cartão de vacina do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Contudo, Bottini explicou que Cid pode voltar a ser preso por outros motivos, como a destruição de provas e obstrução de justiça.
“Omitir ou mentir em uma colaboração não é motivo de prisão. Para ele voltar a ser preso, precisaria de um fato novo que indicasse que ele é um perigo à ordem pública, que ele está destruindo provas, como apagando coisas do celular, ou que ele vai fugir”, declarou o advogado.
A também advogada criminalista Maira Pinheiro compartilha do entendimento de Bottini. De acordo com ela, elementos indicando que Cid agiu ativamente para destruir provas é um dos “requisitos mais básicos” para a prisão provisória.
“Quando a pessoa representa um risco à instrução penal, quando a pessoa representa um risco de causar prejuízo à produção de provas e à busca dos fatos, isso pode ensejar, sim, a prisão provisória”, disse a advogada.
Para Maira Pinheiro, no caso de Cid, é “cabível” que a prisão do militar seja decretada novamente.
De acordo com ela, a omissão, no caso específico de Cid, é referente a “crimes bastante graves”, como a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Por esse motivo, poderia, sim, resultar na perda de benefícios do acordo.
Também ouvida pela CNN, a criminalista Ilana Martins Luz disse que, apesar da possibilidade de Cid perder os benefícios resultantes do acordo, o militar ainda poderá apresentar uma defesa no caso.
“Uma vez constatado que isso era o objeto da delação dele e que ele se omitiu dolosamente, o que, aparentemente, tudo está conduzindo para essa conclusão, o que deve haver, a partir de agora, é a instauração de um procedimento para avaliar a rescisão ou não desse acordo”, declarou.
Segundo a advogada, Cid poderá se defender e apresentar provas com o objetivo de comprovar que ele não se omitiu.
Ilana Luz afirmou que, uma vez que o acordo é rescindido, a regra é que as provas entregues por Cid sejam aproveitadas e, inclusive, podem ser usadas contra o próprio tenente-coronel.
Delação premiada de Cid
Em setembro de 2023, Moraes homologou um acordo de delação premiada com Cid.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro estava preso desde 3 maio do mesmo ano, depois de ser alvo de investigação que apura a inserção de dados falsos nos cartões de vacina do ex-presidente.
A delação premiada é um acordo feito com o acusado, em que ele colabora com as investigações e recebe uma vantagem em troca. No caso, Moraes concedeu a liberdade provisória a Cid.
Fonte: www.cnnbrasil.com.br